DIÁLOGO PLATÔNICO
MÉNON
Análise
do Diálogo
Todas as formas de abordagem de uma
realidade partem de um principio de um problema central. Na Filosofia, este
problema parte do ser, isto é, de toda a realidade que se apresenta como tal,
não se centraliza no não-ser, pois aquilo que não é não pode passar a ser e,
portanto, servir de base para investigação do ser que é, pois só ele informa
algo de si.
A busca da filosofia se dá pelas causas
últimas das coisas. Mas a solução do problema do ser é condicionada pela
solução de um problema prévio – o problema do conhecimento – o homem deseja
conhecer as causas últimas de todas as coisas. Ele não se contenta com uma mera
resposta sobre aquilo que busca, mas deseja encontrar algo que o convença pelo
menos momentaneamente, até que surja novas interrogações que o faça recomeçar
todo o processo investigativo.
Tomando como objeto de estudo o dialogo
de Platão, nos empenhamos a compreender melhor este percurso em busca do
conhecimento, como ele se dá, como se apresenta e como o transmitimos, se o
transmitimos.
Ele inicia com a interrogação de Ménon:
“Ó Sócrates, podes dizer-me uma coisa: a virtude tem possibilidade de ser
ensinada”. Aqui é introduzido o primeiro questionamento que direcionará todo o
dialogo, logo em seguida Ménon faz o segundo questionamento: Ou, então, não é
susceptível de ser ensinada, mas possível de ser adquirida (Ménon, 70 a).
Respondendo estas duas indagações Sócrates se diz não saber o que é
inteiramente a virtude, não dá uma resposta clara, coloca-se como alguém que
também busca respostas. Em contra partida Ménon apresenta vários tipos de
virtude, e não a virtude em geral, apresentando suas características gerais, ou
até parte da virtude. Considera ainda toda ação com justiça como virtude.
Respostas prontas e acabadas não surgem.
Dessa
forma, o trajeto parte de uma maneira totalmente intrigante, aquele que é tido
como sábio pelos homens da época, coloca-se humildemente disposto também ele a
vislumbrá-lo, a galgar o que é a virtude. Sócrates passa a refutar as possíveis
respostas ao problema dadas por Ménon, através de interpelações, ele o leva a
ser claro nas perguntas, objetivo e autônomo nas respostas, aqui as colocações
feitas por outros, como por exemplo Górgias não devem ser tidas certas,
verdades absolutas, mais sim como vertentes de conhecimento, ou seja, hipóteses.
Com isso algumas respostas não servem para convencê-los, devem ser reformulas,
melhoras, a opinião comum
deve ser descartada posto que é aparência. Lembrando que cada individuo é capaz de
construir as bases daquilo que busca como resposta para seus questionamentos,
visto que em seu interior já possui uma certa capacidade de compreensão, isto
é, aquilo se apresenta como tal não é totalmente desconhecido, de alguma forma
já se tem um entendimento, uma idéia daquilo que não conhecemos
plenamente.
Aquilo que o escravo pensa saber é
desconstruído, refutado, toda cadeia de idéias é refeita, tudo que era no
principio já não permanece como certo e verdadeiro, duvidas e novos
questionamentos surgem. Isso leva a um segundo passo, a elaboração de hipóteses,
de possíveis respostas aos problemas colocados no palco do conhecimento, da
busca.
Através da experiência maiêutica que
tem um extraordinário alcance demonstrativo inicia-se um desvelamento das
idéias. Sócrates interroga um escravo e consegue fazê-lo resolver, apenas
interrogando-o socraticamente com o método maiêutico uma questão complexa de
geometria, implicando em substância, o conhecimento do teorema de Pitágoras. Portanto,
assim a argumentação passa a demonstrar que o escravo não havia aprendido
geometria antes e que ninguém ditou-lhe a solução, ele soube conquistá-la
sozinho, embora auxiliado, nos levando a concluir que ele tirou-a de dentro de
si mesmo, da própria alma, ou seja, “lembrou-se” dela. Aqui é claro, que o
escravo, como todo o homem em geral, pode tirar e extrair de si mesmo a verdade
que antes não percebia e que ninguém lhe tinha ensinado, sustentando a
argumentação que “saber é recordar”.
Depois do dialogo inicial entre Ménon e
Sócrates, o escravo de Ménon passa a ser levado a buscar o conhecimento sobre
figuras geométricas, mesmo sendo escravo, ele também é capaz de chegar ao
conhecimento, visto que possui uma condição essencial para isso a língua
vernácula, sua condição de escravo não é empecilho para conhecer, para buscar
algo que julga não possuir.
Após o dialogo com o escravo, Sócrates
passa a construir com Ménon uma resposta ao problema. O conhecimento é Reminiscência,
é recordar, é um vir à tona daquilo que já existe no interior da alma. A alma
possui, portanto, suas próprias verdades que não aprendeu antes na vida atual,
no entanto estão encobertas, mas podem ser desveladas à consciência, quer dizer
que ela já as possuiu como próprias desde sempre, antes do nascimento chegamos
assim a uma conclusão: a alma é imortal. Eis a conclusão que Sócrates deduz,
por meio da experiência maiêutica, que o escravo inculto, guiado somente por
perguntas claras e objetivas, soubera resolver um problema difícil de geometria
e alcançar a verdade. Nesse percurso o método é essencial. Pois assim é
colocado literalmente para fora o que a alma conhece.
O conhecimento passa assim a se
apresentar como algo que pode ser retirado passo a passo, esse processo
acontece de forma clara e continua o sujeito aqui é conduzido ao conhecimento,
ao saber, a perceber aquilo que existe em seu interior, a passar do “vale do
esquecimento” para a luz daquele que saiu da caverna. Ora
a alma, segundo a teoria do conhecimento de Platão, possui de maneira inata
essas idéias que podemos alcançar desde que saiamos do mundo visível e vivamos
num mundo de contemplação. Existem portanto, dois mundos distintos, um
invisível, eterno, imutável, ideal e concreto, onde as idéias eternas e
perfeitas residem. O outro mundo é inferior, é físico, visível, indefinido e
mutável, portanto, perecível.
Assim, deve haver uma
passagem de um mundo aparente para o mundo das idéias perfeitas e esse caminho
deve ser buscado incansavelmente. Na concepção Platônica a alma está presa ao
corpo devido aos prazeres, dores e paixões, tão combatidos mais tarde por Santo
Agostinho de Hipona, tanto um como outro os coloca como impedimentos no caminho
da sabedoria e da virtude. O papel da filosofia é desprender a alma do cárcere
corporal, deixar os sentidos que são falhos, e se debruçar sobre as virtudes,
libertando-a. Por isso, o filósofo não pode ceder aos seus prazeres e desejos,
mas usar de forma pratica e sabia a razão.
Portanto, o dialogo nos
leva a perceber que o problema do conhecimento não é tão simples como muitos
teóricos e estudiosos ao longo dos séculos disseram. Pensar o conhecimento, é
pensar que ele pode ser construído, essa construção faz-se necessária para que
o individuo encontre respostas para suas interrogações, fato que desde os
primórdios desperta inquietações “qual o principio de todas as coisas”, “porque
existimos”, “de onde vinhemos” e “para vamos após a morte”. Muitas respostas
foram postas a prova, desde Tales de Mileto, passando por Sócrates, Platão,
Aristoteles, Agostinho, Tomás de Aquino e Descartes, o homem busca conhecer
aquilo que pensa ou tem certeza de não saber. Desde os pré-socráticos até os
nossos dias, a verdade, o saber, a virtude, a sabedoria, o bem, o mal, o ser,
em fim a episteme é buscada.
A obra por nós estudada
reforça ainda mais essa necessidade de compreender o sentido, o que de cada
coisa ou situação da vida, para tanto percebemos que já possuímos pequenas
parcelas do saber, mesmo que puramente imperfeitas e parciais, portanto,
surpreendentemente pequenas diante da vastidão das coisas e do que elas são
perante o mundo visível e o mundo das idéias, visto que este ultimo percebo eu,
concordando com o filósofo que é “uma cópia imperfeita, daquilo que é perfeito
no mundo das idéias verdadeiras”.
Discutir se a virtude é
saber, se é ensinada, se o homem sábio é o filosofo, o governante perfeito, se
a alma é imortal ou mortal, se existe um outro mundo além deste que conhecemos
é buscar o sentido das coisas, mesmo que as respostas não sejam definitivas, o
que nos convence aqui não é a certeza, mas a inquietação perante o desconhecido.
O mundo atualmente se acostumou a encontrar as respostas que busca de uma
maneira cada vez mais simplificada, “clara e concreta”, estas por sua vez não
se compravam, não pela sua certeza mais sim pelo vazio que deixa naqueles que
as encontram, a superficialidade das coisas se apossou de nós, nos deixando
entregues muitas ao vazio do conhecimento moderno.
Concordar que as coisas
podem ser ensinadas, dentre elas a virtude é dizer que aquele que ensina é
virtuoso e que essa mesma virtude vai ser absorvida pelo aluno, ele não será
capaz de tomar outro caminho visto que foi conduzido ao bem, a verdade. Do lado
inverso, é dizer que os bons costumes não são aprendidos de nossos pais e
professores, que aquilo que temos como certo e justo retiramos de alguma forma
de um lugar misterioso, aqui entendido como “do interior da alma”, “do mundo
das idéias”, e portanto, passamos pelo um processo de recordação, de uma
experiência já vivenciada, onde o pensar e o refletir nos direcionará ao
caminho inicial, visto que teremos sempre um conhecimento a desvelar.
Conclui-se que o conhecimento vai muito além de tudo isso que fora discutido
aqui, chegar a uma resposta clara e objetiva, e, portanto, definitiva é ser
pretensioso de mais, prefiro ficar com a máxima: “só sei que nada sei”, diante
disso continuo meu trajeto.
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