2. Contexto Histórico da filosofia agostiniana
2.1.
A Patrística
O período que se configura entre a
decadência do Império Romano e a expansão do cristianismo, a partir do século
II[1],
vê surgir a filosofia dos padres da igreja, conhecida como Patrística. Com o intuito de converter os pagãos, combater heresias
e justificar a fé desenvolvendo a Apologética[2], elaborando textos em defesa do
cristianismo. Daí a expressão de Agostinho “Credo ut intelligam”, que significa
“creio para que possa compreender”.
Entre os principais eixos temáticos que a
filosofia Patrística discutia destacamos: relação entre a fé e ciência,
conhecimento de Deus, a essência de Deus, o logos, a criação, o homem, a alma,
a ordem moral. Inicialmente
os padres recorrem à filosofia platônica por intermédio de Plotino[3]
(204-270), realizando uma síntese crítica entre a doutrina cristã e o
pensamento pagão. Tendo seu início com a escola de Alexandria, que é
influenciada também pela doutrina ética do estoicismo (segundo a qual, o ideal
do sábio consiste em viver em perfeito acordo, isto é, em total harmonia com a
natureza, dominando suas paixões e suportando os sofrimentos da vida cotidiana,
até alcançar a mais completa indiferença e imperturbabilidade diante dos
acontecimentos - ataraxia)4.
Esta síntese não foi
difícil, pois, o platonismo e o cristianismo se encontraram em muitos pontos de
fundamental importância como, por exemplo, a imortalidade da alma, a criação do
mundo, o dualismo ontológico (mundo sensível mundo inteligível), as verdades
eternas, teoria da iluminação (um acompanhamento da doutrina da reminiscência
platônica) e o dualismo psicofísico (o homem, para ele não é uma unidade, uma
só coisa, uma só substância, mas duas substâncias, corpo e alma), podendo ambas
agirem independentemente.
Destaca-se
neste período São Justino Mártir (150-165); Clemente de Alexandria (150-215);
Orígenes (185-254); Os Capadócios (Império Romano do Ocidente, Constantinopla),
com Basílio (330-389); Gregório Naziazeno (329-390); Gregório de Nissa
(335-395). Temos ainda na tradição grega do oriente, o Pseudo-Dionísio, o
Aeropagita (século VI), São Máximo, o confessor (580-662) e São Damasceno
(674-749), todos de influência neoplatônica, isto é, uma filosofia platônica
mais espiritualizada5.
O
principal expoente deste período é Santo Agostinho, que
nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste, atual Argélia, norte da África. Em
Cartago, ele tem seu primeiro contato com a filosofia, isto é, através da
leitura do Hortensius, de Cícero. É com esta leitura que ele procura
encontrar as respostas não obtidas até então. Após a leitura de “Hortensius, de
Cícero”6, Agostinho desperta para o amor a
filosofia, enquanto verdade científico-racional, sim, é a verdade que o deixa
sedento.
Esta
sede impulsiona Agostinho a buscar esta verdade onde quer que ela esteja
conforme relata em suas Confissões. III, 4, 8:
Por aquele tempo, tu sabes bem, luz do meu
coração, como eu ainda não conhecia o conselho do apóstolo, apenas me
deleitava, naquela exortação, o fato de essas palavras me excitarem fortemente
a acenderem em mim um desejo de amar, buscar, conquistar, reter e abraçar, não
essa ou aquela seita, mas sim a própria sabedoria, onde quer que ela esteja.
Agostinho,
diante de todos os questionamentos levantados por sua rica experiência de vida,
procura de algum modo resolver ou pelo menos tentar abrasar esta sede pela
verdade, que tanto o deixava inquieto e sem direção, a deriva.
Inicialmente
é no Maniqueísmo7, em 373, que Agostinho
espera encontrar esta verdade. Essa doutrina apresentava um apreço à sabedoria
(gnose ou ciência), uma religião capaz de dar respostas as mais diferentes
interrogações a respeito da vida e do universo, como algo que pode ser alçando
pelo próprio homem, pelo uso da razão e não da fé.
Em
Cartago a filosofia dominante é a maniquéia. O ardor que o levou a buscar no
Maniqueísmo respostas para suas interrogações, aos poucos foi esfriando dando
lugar à dúvidas.
Em
Roma, Agostinho abandonou este sistema para abraçar ao cepticismo da Academia8, onde mais tarde leciona na Faculdade
de Retórica.
Foi
nesse período que ele teve contato com a filosofia Plotiniana, fascinado que
ficou, logo abandonou o cepticismo. Agora, é através da leitura de Plotino que
ele conhece a filosofia platônica, isto é, o Neoplatonismo9.
Com a leitura dos escritos de Paulo e dos contatos com Ambrósio, bispo de
Milão, Agostinho convence-se de que a verdade está em Jesus Cristo, e não nos
livros filosóficos.
A
partir desta constatação, Agostinho, percebe que, após ter conhecido o
Maniqueísmo, o Neoplatonismo, o Cepticismo, não encontrou neles respostas
suficientes para satisfazer seu espírito. Porém, essas respostas foram
encontradas no Cristianismo.
É
por meio desta fé revelada que ele buscará realizar uma síntese entre filosofia
e teologia. Agora, somente a razão não é mais suficiente para explicar suas
dúvidas e interrogações, a fé virá auxiliá-lo nesta busca. A razão e a fé serão
as luzes que o guiarão em meio às trevas do conhecimento e do saber.
[1]
Cf: JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo.
Dicionário Básico de
filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 208-209
[2] Do grego apologetikós: que defende. Em
seu sentido negativo, a apologética designa a parte da teologia tradicional que
tem por objetivo defender radicalmente a fé cristã contra todo e qualquer
ataque a um de seus dogmas: em seu sentido positivo, é a parte da teologia que
visa estabelecer, através de argumentos históricos e racionais, o fato mesmo da
revelação cristã. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 14.
3 Filósofo neoplatônico, oriundo de
família romana. Plotino nasceu no Egito. Descobriu o neoplatonismo em
Alexandria, onde permaneceu por 11 anos antes de fixar-se em Roma. Abriu aí sua
própria escola na qual acolheu adeptos entusiastas, entre os quais vários
filósofos de profissão, senadores e até o imperador Galieno. Cf:
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 214.
4
Escola filosófica grega, que
deriva seu nome da Stoa Poikilé, um pórtico em Atenas, onde lecionava o seu
fundador, o filosofo Zenão de Cício, sendo também, por vezes, conhecida como
Filosofia do Pórtico. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de filosofia.Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 3. ed. 1996. p. 91-92
5
Cf: JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo.
Dicionário
Básico de filosofia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 3. ed. 1996. p. 208-209.
6 Nesse escrito, Cícero defendia um
conceito de filosofia entendida de modo tipicamente helenista, como sabedoria e
arte de viver que traz a felicidade. Cf: REALLE,
Giovanni, ANTESERI, Dário. História
da filosofia: Antigüidade e Idade Média. 8. ed. São Paulo. Paulus. 2003, p.
429.
7 Doutrina criada pelo persa Mani no
século III. Para os maniqueus, havia duas divindades supremas a presidir o
universo: o bem e o mal – a luz e as trevas. Portanto, o homem possuía duas
almas, uma guiada pelo bem outra pelo mal, e, por conseguinte este lhe é
imposto. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de filosofia. 3. ed. Jorge Zahar. 1996. p. 172.
8 Escola filosófica fundada por Platão
em 388 a. C, nos arredores de Atenas, assim chamada porque situava-se nos
jardins do herói ateniense Academos. Durou até o ano 529 da era cristã, quando
as escolas pagãs foram fechadas por ordem de imperador romano Justiniano, e o
seu líder, Damáscio, emigrou para Pérsia, onde fundou um importante núcleo de
pensamento grego.Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 2.
9
Corrente filosófica do século
III da era cristã, fundada por Amônio Sacas e divulgada por Plotino e seus
seguidores Porfírio, Iâmbrico e Proclo (séc. V). O Neoplatonismo se caracteriza
por uma interpretação espiritualista das doutrinas de Platão, com influencia do
estoicismo e do pitagorismo. O real é constituído por três hipóstases – o Uno,
a Inteligência e a alma, sendo estas últimas emanadas da primeira. Esta
corrente influenciou o Cristianismo no seu início. Cf: JAPIASSÚ,
Hilton; MARCONDES, Danilo.
Dicionário Básico de
filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 193-194.
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