quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Contexto Histórico da filosofia agostiniana

2. Contexto Histórico da filosofia agostiniana
2.1. A Patrística
O período que se configura entre a decadência do Império Romano e a expansão do cristianismo, a partir do século II[1], vê surgir a filosofia dos padres da igreja, conhecida como Patrística. Com o intuito de converter os pagãos, combater heresias e justificar a fé desenvolvendo a Apologética[2], elaborando textos em defesa do cristianismo. Daí a expressão de Agostinho “Credo ut intelligam”, que significa “creio para que possa compreender”.
Entre os principais eixos temáticos que a filosofia Patrística discutia destacamos: relação entre a fé e ciência, conhecimento de Deus, a essência de Deus, o logos, a criação, o homem, a alma, a ordem moral. Inicialmente os padres recorrem à filosofia platônica por intermédio de Plotino[3] (204-270), realizando uma síntese crítica entre a doutrina cristã e o pensamento pagão. Tendo seu início com a escola de Alexandria, que é influenciada também pela doutrina ética do estoicismo (segundo a qual, o ideal do sábio consiste em viver em perfeito acordo, isto é, em total harmonia com a natureza, dominando suas paixões e suportando os sofrimentos da vida cotidiana, até alcançar a mais completa indiferença e imperturbabilidade diante dos acontecimentos - ataraxia)4.
Esta síntese não foi difícil, pois, o platonismo e o cristianismo se encontraram em muitos pontos de fundamental importância como, por exemplo, a imortalidade da alma, a criação do mundo, o dualismo ontológico (mundo sensível mundo inteligível), as verdades eternas, teoria da iluminação (um acompanhamento da doutrina da reminiscência platônica) e o dualismo psicofísico (o homem, para ele não é uma unidade, uma só coisa, uma só substância, mas duas substâncias, corpo e alma), podendo ambas agirem independentemente.
Destaca-se neste período São Justino Mártir (150-165); Clemente de Alexandria (150-215); Orígenes (185-254); Os Capadócios (Império Romano do Ocidente, Constantinopla), com Basílio (330-389); Gregório Naziazeno (329-390); Gregório de Nissa (335-395). Temos ainda na tradição grega do oriente, o Pseudo-Dionísio, o Aeropagita (século VI), São Máximo, o confessor (580-662) e São Damasceno (674-749), todos de influência neoplatônica, isto é, uma filosofia platônica mais espiritualizada5.
O principal expoente deste período é Santo Agostinho, que nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste, atual Argélia, norte da África. Em Cartago, ele tem seu primeiro contato com a filosofia, isto é, através da leitura do Hortensius, de Cícero. É com esta leitura que ele procura encontrar as respostas não obtidas até então. Após a leitura de “Hortensius, de Cícero”6, Agostinho desperta para o amor a filosofia, enquanto verdade científico-racional, sim, é a verdade que o deixa sedento.
Esta sede impulsiona Agostinho a buscar esta verdade onde quer que ela esteja conforme relata em suas Confissões. III, 4, 8:
 
Por aquele tempo, tu sabes bem, luz do meu coração, como eu ainda não conhecia o conselho do apóstolo, apenas me deleitava, naquela exortação, o fato de essas palavras me excitarem fortemente a acenderem em mim um desejo de amar, buscar, conquistar, reter e abraçar, não essa ou aquela seita, mas sim a própria sabedoria, onde quer que ela esteja.
 
 
Agostinho, diante de todos os questionamentos levantados por sua rica experiência de vida, procura de algum modo resolver ou pelo menos tentar abrasar esta sede pela verdade, que tanto o deixava inquieto e sem direção, a deriva.
Inicialmente é no Maniqueísmo7, em 373, que Agostinho espera encontrar esta verdade. Essa doutrina apresentava um apreço à sabedoria (gnose ou ciência), uma religião capaz de dar respostas as mais diferentes interrogações a respeito da vida e do universo, como algo que pode ser alçando pelo próprio homem, pelo uso da razão e não da fé.
Em Cartago a filosofia dominante é a maniquéia. O ardor que o levou a buscar no Maniqueísmo respostas para suas interrogações, aos poucos foi esfriando dando lugar à dúvidas.
Em Roma, Agostinho abandonou este sistema para abraçar ao cepticismo da Academia8, onde mais tarde leciona na Faculdade de Retórica.
Foi nesse período que ele teve contato com a filosofia Plotiniana, fascinado que ficou, logo abandonou o cepticismo. Agora, é através da leitura de Plotino que ele conhece a filosofia platônica, isto é, o Neoplatonismo9. Com a leitura dos escritos de Paulo e dos contatos com Ambrósio, bispo de Milão, Agostinho convence-se de que a verdade está em Jesus Cristo, e não nos livros filosóficos.
A partir desta constatação, Agostinho, percebe que, após ter conhecido o Maniqueísmo, o Neoplatonismo, o Cepticismo, não encontrou neles respostas suficientes para satisfazer seu espírito. Porém, essas respostas foram encontradas no Cristianismo.
É por meio desta fé revelada que ele buscará realizar uma síntese entre filosofia e teologia. Agora, somente a razão não é mais suficiente para explicar suas dúvidas e interrogações, a fé virá auxiliá-lo nesta busca. A razão e a fé serão as luzes que o guiarão em meio às trevas do conhecimento e do saber.         










[1] Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 208-209
[2] Do grego apologetikós: que defende. Em seu sentido negativo, a apologética designa a parte da teologia tradicional que tem por objetivo defender radicalmente a fé cristã contra todo e qualquer ataque a um de seus dogmas: em seu sentido positivo, é a parte da teologia que visa estabelecer, através de argumentos históricos e racionais, o fato mesmo da revelação cristã. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 14.   
3 Filósofo neoplatônico, oriundo de família romana. Plotino nasceu no Egito. Descobriu o neoplatonismo em Alexandria, onde permaneceu por 11 anos antes de fixar-se em Roma. Abriu aí sua própria escola na qual acolheu adeptos entusiastas, entre os quais vários filósofos de profissão, senadores e até o imperador Galieno. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 214.



4 Escola filosófica grega, que deriva seu nome da Stoa Poikilé, um pórtico em Atenas, onde lecionava o seu fundador, o filosofo Zenão de Cício, sendo também, por vezes, conhecida como Filosofia do Pórtico. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia.Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 3. ed. 1996. p. 91-92
5 Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo.  Dicionário Básico de filosofia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 3. ed. 1996. p. 208-209.
6 Nesse escrito, Cícero defendia um conceito de filosofia entendida de modo tipicamente helenista, como sabedoria e arte de viver que traz a felicidade. Cf: REALLE, Giovanni, ANTESERI, Dário. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. 8. ed. São Paulo. Paulus. 2003, p. 429.
7 Doutrina criada pelo persa Mani no século III. Para os maniqueus, havia duas divindades supremas a presidir o universo: o bem e o mal – a luz e as trevas. Portanto, o homem possuía duas almas, uma guiada pelo bem outra pelo mal, e, por conseguinte este lhe é imposto. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Jorge Zahar. 1996. p. 172.
8 Escola filosófica fundada por Platão em 388 a. C, nos arredores de Atenas, assim chamada porque situava-se nos jardins do herói ateniense Academos. Durou até o ano 529 da era cristã, quando as escolas pagãs foram fechadas por ordem de imperador romano Justiniano, e o seu líder, Damáscio, emigrou para Pérsia, onde fundou um importante núcleo de pensamento grego.Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 2.
9 Corrente filosófica do século III da era cristã, fundada por Amônio Sacas e divulgada por Plotino e seus seguidores Porfírio, Iâmbrico e Proclo (séc. V). O Neoplatonismo se caracteriza por uma interpretação espiritualista das doutrinas de Platão, com influencia do estoicismo e do pitagorismo. O real é constituído por três hipóstases – o Uno, a Inteligência e a alma, sendo estas últimas emanadas da primeira. Esta corrente influenciou o Cristianismo no seu início. Cf: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1996. p. 193-194.

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